7 de dezembro de 2025
Aline Bittencourt - Arquivo pessoal

Falar sobre inclusão é, antes de tudo, refletir sobre o significado profundo dessa palavra. Incluir vem do latim includere, que significa “fechar dentro”, “conter”. Ou seja, trata-se de acolher, de fazer parte, de pertencer a um todo. No entanto, incluir não é apenas abrir as portas das escolas para todos. É preciso ir além da presença física: é necessário garantir a participação plena, o pertencimento e o reconhecimento das singularidades de cada sujeito.

Desconstruindo estereótipos

Para que a inclusão aconteça de fato, é fundamental desconstruir visões estereotipadas ainda presentes em nossa sociedade — como a ideia do “coitadinho” ou do “incapaz”. Essas concepções reduzem o sujeito à sua deficiência e impedem que vejamos suas potencialidades, suas formas únicas de ser, aprender e se expressar.

Compreendendo o TEA

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades persistentes na comunicação e na interação social, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos, conforme o DSM-V. O TEA acompanha o indivíduo ao longo de toda a vida e se manifesta de formas diversas — afinal, estamos falando de um espectro. Isso significa que cada pessoa com TEA é única, com necessidades, habilidades e formas de interação próprias, mesmo que estejam classificadas no mesmo nível de suporte.

A experiência da escola Flämming

Na Alemanha, por volta dos anos 1970, surgiu a escola Flämming, uma pré-escola montessoriana que promoveu a convivência entre crianças com e sem deficiência. Idealizada por um grupo de pais, essa iniciativa enfrentou resistência, mas conseguiu implementar o princípio da vida em comum, sem segregações. O foco era adaptar as condições pedagógicas às necessidades de cada criança, respeitando seu ritmo de aprendizagem e promovendo o desenvolvimento integral.

Essa experiência provocou transformações significativas na prática docente: centralidade no aluno, valorização do progresso individual, diversificação metodológica e fortalecimento dos vínculos afetivos. Nesse contexto, a bidocência — atuação conjunta do professor regente com o especialista em educação especial — emergiu como estratégia potente para atender às singularidades dos estudantes.

Desafios estruturais e caminhos possíveis

No Brasil, sabemos que sem mudanças na estrutura escolar não avançaremos. Superlotação das salas, falta de recursos, formação continuada e garantia de terapias são entraves à construção de uma escola verdadeiramente inclusiva. Como professora atuante em um Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas, percebo que pequenas modificações na estrutura e na metodologia já causariam grande impacto nos resultados.

Aqui estão algumas práticas que podem auxiliar nesse processo:

1. Desenho Universal para Aprendizagem (DUA)

Oferecer múltiplas formas de apresentação do conteúdo — texto, vídeo, organograma, elemento gráfico — amplia os canais de aprendizagem. A Inteligência Artificial pode ser uma aliada nesse processo, facilitando a criação de recursos acessíveis e personalizados.

2. Flexibilidade nos registros de avaliação e recursos exclusivos

Alguns estudantes chegam aos anos iniciais com idade cronológica muito distante da idade de desenvolvimento. É necessário adaptar fichas de avaliação com base no estudo do desenvolvimento humano, além de garantir apoio especializado em tempo integral, ou seja, no mínimo 1 professor e um profissional de apoio escolar  — especialmente em casos como TEA nível 3.

3. Aprendizagem lúdica

Jogos como dominó, quebra-cabeça, jogo da memória, Super Trunfo, Cadê?, Ligue 4 ajudam a desenvolver funções executivas: controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. São atividades simples, acessíveis e eficazes.

4. Uso consciente da tecnologia

Aplicativos como o Family Link ajudam a gerenciar o tempo de tela e o conteúdo acessado. A escola pode sugerir apps educativos e orientar as famílias sobre o uso equilibrado da tecnologia, evitando o isolamento social. Lembrando que o uso exagerado de telas , especialmente em crianças com TEA, pode vir a prejudicar ainda mais o desenvolvimento das relações sociais.

5. Parceria entre educação e saúde

Secretarias de educação e saúde devem atuar juntas, promovendo rodas de conversa e apoio às famílias. Muitas vezes, a escola acaba assumindo o papel da terapia — algo essencial, mas que deveria ser garantido por políticas públicas. Assim como às crianças com TEA precisam estar nas escolas, precisam ter acompanhamento terapêutico.

6. Rotina e estímulo à autonomia

A autonomia é um dos pilares do desenvolvimento humano. A rotina familiar — com horários, responsabilidades e interações — é um campo pedagógico vivo. Para estudantes com TEA ou deficiência intelectual, recursos visuais, instruções passo a passo e apoio afetivo são fundamentais para promover autonomia com segurança. Além disso, o estímulo na participação de atividades de vida diária (AVDs), como ajudar a colocar a mesa, lavar alguma louça, molhar plantas, cuidar do animal de estimação promovem maior responsabilidade, organização e autonomia.

Família e escola: uma parceria essencial

Reconhecer a família como parceira no processo de aprendizagem é essencial para superar barreiras educacionais e promover uma cultura de corresponsabilidade, afeto e acolhimento. A escola, por sua vez, precisa abrir suas portas para o diálogo, a escuta e a valorização das múltiplas realidades familiares, assumindo o compromisso de construir pontes — e não muros.

Além disso, é fundamental que a escola deixe claro que o trabalho pedagógico só pode ser plenamente desenvolvido quando há uma rede de apoio estruturada e funcional. Isso inclui o envolvimento da família, o suporte dos órgãos competentes, a garantia de recursos e a atuação integrada entre educação e saúde. Sem essas condições mínimas, o processo de aprendizagem fica comprometido, especialmente quando se trata de estudantes com necessidades específicas, como os que estão no espectro autista.

Aline Bittencourt. Professora EBTT do CPII- Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Doutora em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Educação-UERJ. Psicopedagoga Clínica e Institucional. Pedagoga. Organizadora e autora do livro “Autismo e Ciências – O Protagonismo de estudantes com TEA”- WAK Editora

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