João José e Paulo Melgaço
Estamos celebrando o novembro negro, mês que marca a resistência de Zumbi dos Palmares. No dia 20 é celebrado o Dia da Consciência Negra. É sempre importante frisar quecomemorar a luta de Palmares ou o mês da consciência negra é uma questão política em face a desigualdade estrutural e social que vivemos. Assim, recorrer a lei 10.639/03 que institui que as escolas abordem as questões relativas à cultura e história Afro-Brasileira e Africana é um caminhopara justificar as festas, os cartazes, os eventos que ocorrem de um modo geral neste período. Contudo, defendemos o argumento de que isto não basta. Não podemos pensar nos povos negros ou na herança dos nossos ancestrais africanos e levantar bandeiras contra preconceito e racismo apenas nos meses de maio e novembro.
Neste sentido, pensar em uma educação antirracista é pensar em uma luta cotidiana. É refletir, problematizar e principalmente partir de um posicionamento ético-político no contexto social que se construiu sob estrutura advinda da escravidão por mais de três séculos, que fixou uma desigualdade de classe/raça/etnia e espacial que se mantem com poucas mudanças e atravessa o ambiente escolar. Promover o movimento de educação antirracista é uma tarefa plural em defesa da dignidade como uma decisão ética, que transcende a repetida expressão de “racismo estrutural”.
Por sinal, a palavra teoria significa olhar através de, então é na abertura irrestrita ao Outro que podemos ver que as reformas educacionais até o momento foram insuficientes para possibilitar este caminho. Com isso, deixando sob a “nova” roupagem a homogeneização simbólica de “habilidades específicas” com vários numerais, o mesmo pensamento único que submetem os/as educandos/as a uma constante violência simbólica na aprendizagem que quase sempre implicam em um fracasso programado para aqueles/as que tem sido historicamente humilhados e invisibilizados no campo da educação, que deveria ser uma prática da liberdade e da esperança (Paulo Freire), como foi Palmares.
A partir de um simples olhar no cotidiano, no encontro de culturas presentes na escola podemos sentir a presença africana. Assim, para incorpora-las ao nosso currículo basta apenas interesse e sensibilidade de cada professor/a, independente da disciplina que leciona. As danças de nossos/as estudantes: o samba, o funk,os movimentos de braços e quadris do tiktok; os cabelos, as tranças, os jogos e as brincadeiras, muitas comidas servidas no refeitório ou vendidas nas cantinas, as cores exuberantes, o modo de falar e principalmente o Axé nos encontros, podem nos dizer muito da herança africana e ser incorporados ao currículo escolar. É sempre importante reforçar: para além da Base Nacional Comum Curricular ou de outros documentos que regem a Educação Nacional, cada escola possui seu currículo.
O currículo é vivo e se constrói no dia-a-dia. A escola é autônoma e as escolhas dependem de sua comunidade. Assim, prezados/as professores/as e comunidade escolar cabe única e exclusivamente a cada um de nós manter viva e valorizada a cultura e herança africana em nossas escolas. Com isso, certamente, se o tema aparecer em provas e concursos nossos/as alunos/as terão argumentos suficientes para escrever sobre o tema.
É urgente o debate antirracista também no ambiente familiar. Muitas vezes creditam à escola o papel na formação dos filhos a respeito de diversos assuntos que permeiam nossa sociedade. O racismo é um desses. Mas será que somente cabe a escola esta conversa?
O papel dos gestores para consolidar a Educação Antirracista
A gestão escolar não encontra o tema com facilidade e destaque nos sites especializados, nas referências bibliográficas mais conceituadas, nas vídeos conferências e nos cursos de gestão, tanto de especialização como de extensão. Por esta razão, a questão se reveste da maior relevância que os gestores escolares tomem a decisão ética-política-estética de incorporar a Educação Antirracista no planejamento participativo, com critérios epistemológicos e pressupostos teóricos-metodológicos. Conforme o disposto na Constituição de 1988 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas. O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um poderoso instrumento da gestão escolar que deve ter um viés na Educação Antirracista.
A parceria família-escola
A parceria família-escola deve ter como finalidade a decisão ética de formar pessoas protagonista de uma nova humanidade, que seja efetivamente plural e dialógica com diversas heranças culturais. É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. Essa parceria dá direito à participação na comunidade, que pode ter ações como rodas de conversas, e atividades pedagógicas envolvendo cinema, leitura e artes.
João José do Nascimento é Mestre em Filosofia e especialista em Ensino de História da África.
Paulo Melgaço da Silva Junior é doutor em Educação e professor de Arte na Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias.
São autores do livro “Caminhos Para Uma Educação Antirracista. Teorias e práticas docentes” (Wak Editora).