Ninguém quer ter uma deficiência física, e temos certeza de que todo portador gostaria de não tê-la se fosse lhe dada a opção. Infelizmente esta opção não existe, e os deficientes acabam tendo que aprender a conviver com suas limitações da melhor forma possível — muitas vezes, usufruindo de alguns direitos especiais e adaptações na infraestrutura da cidade, como rampas e vagas para deficientes. O que não impede que algumas pessoas de tirar proveito disso mesmo sem precisar.

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Miley Cyrus, que não é deficiente física, já estacionou seu Mercedes-Benz SL550 em uma vaga exclusiva para deficientes

Não precisamos dizer que é errado, imoral e condenável, por exemplo, usar uma vaga exclusiva para deficientes sem ter uma deficiência. O senso comum já diz isso — mas, infelizmente, é frequentemente ignorado.

Segundo o Contran, todo estacionamento regulamentado (como estacionamentos de shoppings ou empresas) precisa destinar 5% das vagas para idosos e 2% para deficientes. Elas são exclusivas e quem utilizá-las indevidamente paga uma multa de R$ 53, além de estar sujeita à remoção do veículo como medida administrativa.

Motivadas pelos “espertinhos” que se aproveitam das vagas para deficientes mesmo sem precisar delas (“é rapidinho, só vou ali e já volto”), sempre são lançadas campanhas de conscientização — algumas, com uma boa dose de bom humor, como o vídeo abaixo, feito pela agência Cine70 sob encomenda da Comissão Especial de Deficiência do Peru.

Com o mote “pedimos respeito, não milagres”, o vídeo foi feito em 2013 mas se espalhou pelas redes sociais nos últimos dias. A premissa, a princípio, faz todo o sentido do mundo: pessoas que, aparentemente, não têm deficiência física alguma e nem restrições de mobilidade estacionam em vagas exclusivas para deficientes demarcadas pelo Símbolo Internacional de Acesso:

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Ao voltar para o carro, são abordadas por um grupo de atores que fazem comentários como “É um milagre! Você chegou aqui de cadeira de rodas e já está caminhando!”

Como dissemos, em um primeiro momento faz sentido, e as pessoas mostradas no vídeo acabam ficando irritadas com a atenção não solicitada que recebem — e certamente com vergonha do que fizeram. Uma maneira bem humorada e eficiente de ensinar uma lição, não é? Este pessoal provavelmente vai pensar duas vezes antes de estacionar em uma vaga para deficientes depois de passar por uma situação constrangedora como esta, certo? Bem, nem sempre, e nós vamos explicar o porquê.

Nem toda deficiência é aparente

Saindo do Peru e voltando para o Brasil, a situação não é diferente: aqui também existem campanhas deste tipo e normalmente elas são aprovadas pela população — afinal, todo mundo gosta de ver a justiça sendo promovida em nome da conscientização. Na prática, contudo, a lição não é passada do jeito certo e pode até prejudicar os próprios deficientes.

Quando pensamos em deficiência física ou motora, pensamos em uma pessoa em uma cadeira de rodas que não pode caminhar. Mas existem outros tipos de deficiência física que não necessariamente confinam um ser humano a uma cadeira de rodas ou mesmo a uma bengala ou um par de muletas. E elas foram levadas em consideração pelo Código de Trânsito Brasileiro.

A resolução 304 do Contran, de 18 de dezembro de 2008, abrange todos os tipos de deficiência física que implicam em dificuldades de locomoção. São determinados três tipos:

Deficiência física ambulatória nos membros inferiores: pessoas que têm deficiência física nas pernas e/ou nos pés e têm dificuldade para caminhar
Deficiência física ambulatória autônoma: pessoas portadoras de algum tipo de incapacidade mental que, devido a sua condição, têm dificuldades para andar sozinhas
Mobilidade reduzida temporária: pessoas que, devido a um acidente, cirurgia ou condição médica (como uma doença degenerativa ou uma prótese interna), por exemplo, apresentam dificuldades graves de locomoção.

Sendo assim, uma pessoa pode usufruir do direito de usar vagas exclusivas para deficientes mesmo que não use uma cadeira de rodas, muletas, aparelhagem ortopédica ou próteses. Mas não é tão simples — e é por isso que você deve ter certeza da condição de uma pessoa antes de abordá-la no estacionamento com o dedo em riste ou mesmo “lichá-la” virtualmente publicando fotos e a placa do carro no Facebook.

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Foto: Izabel Santos/Portal Amazônia

Por exemplo, quem não lembra da Copa do Mundo, quando fotos de cadeirantes que estavam em pé assistindo aos jogos circularam pelo Facebook? À época, um debate acalorado aconteceu — havia quem os chamasse de mentirosos e aproveitadores, sem levar em consideração a possibilidade de tais pessoas serem portadoras de deficiências que as permitem levantar ou até caminhar por curtos períodos.

Para ter acesso garantido às vagas para deficientes na maioria das cidades é preciso ter um cartão de permissão especial, que é gratuito e deve ser bem visível por quem está fora do carro. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o cartão se chama DeFis-DSV e, para obtê-lo, é preciso imprimir dois formulários — um requerimento e um atestado médico que comprove a incapacidade — e levá-los para o setor de Autorizações Especiais Departamento de Operação do Sistema Viário. O procedimento em outras localidades é semelhante e gratuito.

Direitos e deveres

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Se uma pessoa é portadora do cartão/autorização, tem o carro adesivado e estacionou em uma vaga demarcada com o Símbolo Internacional de Acesso, ela tem o direito de usar aquela vaga e certamente precisa dela, mesmo que não pareça.

Por outro lado, também é preciso ter consciência de que, legalmente, o que garante o direito ao uso de uma vaga exclusiva para deficientes é a autorização emitida pelo órgão regulador de trânsito — sem ele, mesmo um deficiente pode ser multado pelo agente de trânsito, pois é seu dever portar o documento que comprove sua condição e seu direito.

Fonte: Por Dalmo Hernandes – Flatout