O Portal Incluir entrevistou a Neuropsicóloga Maria Nogueira Maia, ela que tem TEA (Transtorno do Espectro Autista) e, com apenas 24 anos já possui um trabalho de reconhecida importância junto a comunidade e nas redes sociais, onde atrai a atenção para centenas de milhares de pessoas sobre o assunto Autismo.
Maria é Neuropsicóloga, Psicanalista, Pesquisadora e Escritora. Diagnosticada como superdotada aos 12 anos e Autista aos 18, focou seus estudos na área e começou, há dois anos, a compartilhar conteúdos buscando educar e conscientizar as pessoas ao seu redor e em suas redes sociais. Hoje, possui uma clínica, na qual atende diretamente mais de 40 autistas, e também já acumulou mais de 300 mil seguidores, ajudando, com empenho, a promover a inclusão social.
Confira a entrevista
Quais as dificuldades que enfrentou ao crescer enquanto uma pessoa autista. E como tem superado isso?
A minha principal dificuldade foi que eu cresci autista, sem saber que era autista. Eu não tinha um diagnóstico. Meu diagnóstico veio tardio, aos 18 anos. As pessoas sabiam que eu era diferente, a minha mãe sabia que eu tinha minhas peculiaridades, mas nada que fosse diagnosticado. E aí eu cresci ouvindo que eu era uma criança excepcional, mas nada neuro divergente. Depois eu fui diagnosticada como superdotada e só depois como autista. Algumas dificuldades, as mais comuns, acho eu tive todas. Eu tinha um problema com é a sensação tátil. Não gostava que encostassem em mim, que me abraçassem sem eu querer… Eu tinha essa dificuldade. Eu tinha uma dificuldade grande de interação social, tinha dificuldade e tenho com o meltdown (reação a situações que sobrecarregam os limites sensoriais, emocionais ou cognitivos da pessoa) com crises de choro e shutdown (pessoa pode parecer desligada, não responder a estímulos externos ou até mesmo parecer catatônica). Tinha um problema Sério com misofonia e ainda tenho que aversão a barulhos altos ou repetidos. E a única coisa assim que eu não identifiquei realmente era o paladar seletivo. Isso eu não tenho. Embora eu tenha bastante rigidez com rotina. Eu acho que a minha mãe fez um grande trabalho em relação a isso tudo isso. Ela não sabia nomear como autismo, mas ela sabia que as minhas individualidades precisavam ser compreendidas e atendidas. Então ela sempre se esforçou muito para garantir que eu estivesse bem. Que eu estivesse confortável, me desenvolvendo, me nutrindo. Então a gente teve psicóloga, a gente teve fonoaudiólogo, a gente teve nutricionista, tive todo o apoio que eu precisei. E na minha vida adulta eu acho que eu fui aprendendo ao longo da minha infância. ´E superando uma coisa de cada vez, não o diagnóstico, mas o que vem dele.
Como você lida com o preconceito e a discriminação no seu dia a dia?
Discriminação eu não sofro no dia a dia. Eu acho que tem um estigma grande nas redes sociais por eu falar que eu sou autista abertamente, de pessoas que vêm contestar. Lógico, tem um pouco de preconceito. É como eu não ter cara de autista. Eu não presto atenção. Eu acho que são pessoas que não sabem do que estão falando. Mas eu não lido com nenhum preconceito de discriminação no dia a dia por ser nível um e conseguir mascarar muito bem. Não é uma habilidade que eu aprendi criança. Mas, eu vejo outras pessoas sofrendo preconceito, quando eu vejo falas preconceituosas, discriminativas, discriminadoras sobre o autismo e pessoas autistas. O que eu faço é divulgar a favor da causa. Espalhar informações que são verídicas, que são boas, que combatem estigmas e preconceitos.
Profissionalmente falando, como seus pacientes reagem ao saber que você é autista?
A maioria dos meus pacientes gostam de saber que eu sou autista. A maioria gosta, inclusive vários me procuram por isso, porque também são, porque eles estão querendo diagnóstico e querem fazer com uma pessoa que não só saiba pelo DSM, pelo estudo, mas entenda o que eles estão passando num nível profundo.
Sobre capacitismo, mesmo sendo uma profissional preparada, reconhecida de alguma forma ele impacta sua vida.
Com certeza existe, existem pessoas que pensam que eu sou menos capaz porque eu tenho meu diagnóstico, mas isso não impacta a minha vida, porque a realidade é que eu não tenho acesso. Eu não dou acesso a essas pessoas, não tenho acesso a essas pessoas. Quem está perto de mim, não tem uma atitude capacitista. Às vezes isso acontece até por falta de informação. Eu recebo uma pergunta de tipo, isso é o seu autismo? Mas é mais no sentido de querer entender cada vez mais.
Há alguma frase ou comentário que você frequentemente ouve e que considera especialmente incômodo ou ofensivo para alguém que tem autismo ou qualquer outro tipo de deficiência?
Acho que a frase que mais me incomoda é que coincidentemente eu escuto mais é que eu não tenho cara de autista. A minha resposta é, autista não tem cara. Autismo não tem cara. Isso é preconceituoso, estereotipado, ultrapassado e querendo invalidar meu diagnóstico. É uma coisa que eu tenho batalhado meu mundo inteiro para validar e para entender e, enfim, para aceitar.
Quais são as principais lutas? Ou cite para a gente algumas das lutas que as pessoas altistas enfrentam atualmente num ambiente escolar e de trabalho.
Eu vejo que as lutas são mais ou menos as mesmas em base, embora elas sejam incrivelmente individuais. Então, a gente tem muitos aspectos de socialização. A gente tem lutas no aspecto de inclusão. Não é de não ter o desenho universal de aprendizagem práticas que são inclusivas o suficiente para pessoas autistas, a gente. A gente tem discriminação por parte de professores e nem tanto de colegas, porque os colegas ainda nem foram educados, né? Acerca disso, e. A luta para constantemente se encaixar num sistema que não foi desenhado para nós, né? Eu acho que essa é a maior luta que a gente enfrenta.
Como a sociedade pode melhorar isso? Quer dizer, pode ser mais inclusiva e acolhedora para pessoas autistas.
Eu acho que a principal coisa para inclusão e acolhimento. A principal ação é se informar, se educar. Agora mesmo estamos lançando uma plataforma justamente para educar pessoas que convivem com pessoas autistas, ou pessoas autistas que receberam o diagnóstico tardio ou profissionais que trabalham. Eu tenho um projeto também de capacitação de professores que eu estou desenvolvendo para lidar com pessoas autistas, TDAH, enfim, qualquer tipo de deficiência invisível. É o transtorno de saúde mental que acomete crianças, adolescentes, e precisamos prepara pessoas para saber como lidar. Eu acho que é isso que mais falta: informação.
Qual o tipo de informação que você gostaria que as pessoas tirassem de um momento em que eles escutam falar a respeito do autismo?
A maior lição eu acho que é a compreensão de que o transtorno do espectro autista significa, né. Espectro é um conjunto de sintomas, de apresentações, de manifestações de uma só coisa, então embora nós estejamos todos no mesmo diagnóstico, esse diagnóstico se ramifica de várias maneiras diferentes. E eu queria que as pessoas tivessem mais compreensão disso, que não é só porque aquela pessoa autista que você conhece é dessa forma que todas as pessoas autistas vão ser da mesma forma. É um espectro, tem uma ampla gama de como pode se manifestar.
Você pode nos falar sobre o papel da família e amigos no seu processo de aceitação e crescimento pessoal?
Eu acho que o principal papel da minha família e o dos meus amigos foi só consentir. Eu cheguei com diagnóstico, as pessoas falaram “OK”. Ninguém negou, ninguém contestou nada e isso que eu acho muito importante. Quando você recebe um diagnóstico, já é meio difícil de aceitar, você acaba se achando meio impostor. Todos têm uma dificuldade para aceitar. Então, quando as pessoas do seu lado só aceitam, como foi o caso dos meus pais e dos meus irmãos, fica muito mais fácil. Então, para os pais que estão lendo, só aceitem que o diagnóstico tardio, não tem a ver com vocês, não tem a ver com eles. Às vezes os pais têm um pouco de receio de aceitar um diagnóstico tardio, porque eles acham que eles falharam em não perceber. E não é bem assim que funciona.
Que tipo de suporte ou recurso seria necessário hoje para que as pessoas autistas e suas famílias conseguissem de alguma forma, fazer com que a vida dessas pessoas aconteçam de uma maneira menos agressiva, com menos discriminação?
O sistema tem que melhorar para receber melhor as pessoas autistas e todo tipo de deficiência invisível, mas especialmente o autismo. Temos que capacitar mais, ter mais informação, muita informação. Eu acho que isso é o que mais falta no sistema.
Entrevista concedida a Júnior Patente